A sexta-feira (23/07) creditou mais um momento representativo para a Mandata Pretas Por Salvador (PSOL/BA). Vivendo um mês simbólico, em que a mandata intitulou “Julho das Pretas”, elas presidiram a Sessão Especial Do Dia de Luta Contra o Genocídio da Mulher Negra, na Câmara Municipal de Salvador. O evento contou com a presença de mulheres negras que carregam histórias diversas de luta, enfrentamento e superação em meio a uma sociedade racista, machista e patriarcal.
A população negra no Brasil corresponde a maioria, 54%, segundo o IBGE. De acordo com a Associação de Mulheres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas se identificam como afrodescendentes. Porém, tanto no Brasil quanto fora dele, essa parcela populacional, principalmente as mulheres, também é a que mais sofre com violência. A mulher negra é, ainda hoje, a principal vítima de feminicídio, das violências doméstica, obstétrica e da mortalidade materna, além de estar na base da pirâmide socioeconômica do país.
É nessa perspectiva que, de acordo com a co-vereadora Laina Crisóstomo, o “Julho das Pretas” não tem a ver com comemorações. O mês caracteriza várias datas importantes para algumas das principais causas que a mandata defende, a exemplo do 25 de julho, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, o dia 27, que seria o aniversário de Marielle Franco, vereadora do PSOL, que foi brutalmente assassinada e também o 31 de julho, dia Internacional da Mulher Africana.
“Tem a ver com reflexão e luta. Essa Sessão foi aprovada em março desse ano e decidimos fazer em julho por conta de tudo o que o mês representa para nós. Esse é um tema muito caro para nós pretas e pretos. Mexe com muitas sensações, emoções e histórias de nossas vidas. Por isso, quero dizer o quanto estou feliz em estar aqui com essas mulheres, dialogando sobre esse assunto tão importante para as nossas vivências. Essa mesa não poderia ser composta por outras pessoas. A gente vem de uma trajetória de coletividade, mas apoiadas e fortalecidas com os movimentos sociais que é de onde a gente vem, que são a nossa escola e nossa casa.”, disse Laina Crisóstomo, saudando as convidadas.
Entre tantas falas importantes, a yalórixa e também ativista do movimento negro, Bernadete Souza, trouxe uma reflexão importante sobre o tema ao lembrar sobre as falas agressivas e preconceituosas que muitas pessoas fazem, desde a infância de pessoas negras. Para ela, é preciso desconstruir a cultura enraizada do racismo disfarçado de boas intenções, que forçam, inclusive, muitas mulheres a negar a sua identidade, tendo vergonha dos seus cabelos, por exemplo.
“O debate de hoje é sobre o nosso cotidiano, o nos acontece no dia a dia. Quando a gente fala da violência contra a mulher negra e do genocídio da mulher negra, a gente precisa fazer uma retrospectiva. Em nossa infância, a gente ouve muito se falar sobre ‘nega do cabelo de cominho’, ‘nega do cabelo ruim’ e isso perpassa e vai aumentando a partir do momento em que a gente começa a negar o nosso próprio cabelo, por exemplo. Vivemos em uma sociedade patriarcal, onde nossos corpos negros são maltratados todos os dias”, pontuou ela que, inclusive, é a indicação de Laina para representar o PSOL/BA na candidatura ao cargo de governadora do estado na eleição de 2022.
Presente na Sessão, a também co-vereadora das Pretas, Cleide Coutinho, manifestou a sua satisfação em está debatendo o tema, ao lado de pessoas que carregam uma trajetória política de luta. “Entre tantas que a gente se propôs a fazer, essa talvez seja a Sessão mais esperada. Hoje temos aqui na presença de pessoas que tem vivência com essa realidade. Vamos aproveitar esse rico debate e fazer valer a memória de Marielle Franco, que a gente tanto se espelha na construção diária de lutas”, disse ela.
Quem também marcou presença na Sessão Especial foi a líder da bancada de oposição da Câmara Municipal, a vereadora Marta Rodrigues. Ela aproveitou a oportunidade e registrou a importância de fiscalizar os tratamentos que os negros, em especial as mulheres negras, tem dentro do município. “É necessário darmos toda essa visibilidade ao mês de julho para engrossarmos a nossa caminhada. Porém, é uma luta continua. É dentro do município, por exemplo, que a mulher negra precisa chegar no posto e ter o seu atendimento. Precisamos cuidar dos acessos e direitos do povo negro. Precisamos desconstruir esse racismo que estrutura as nossas relações. Hoje é um dia importante para que se some a todos os dias em que a gente busca superar essa invisibilidade a qual somos impostos”, disse Marta.
A educadora popular, também coordenadora do MSTB, Mira Alves, reforçou a importância que as escolas tem, na construção de uma nova realidade frente as atrocidades que as mulheres negras enfrentam. “As crianças que estão na escola atualmente, não sabem a própria história. Porque não aparece a nossa cor em espaço algum. Somos os povos mais antigos da civilização e esses números, esses dados, são não evidentes nas aulas”, acrescentou ela. “Isso que está acontecendo aqui hoje é um aquilombamento de mulheres vivas, livres e fortes. O nosso tempo é agora e a revolução, eu tenho certeza: é preta e feminista”, considerou a historiadora e educadora social em política e igualdade racial, Keu Souza.
A comunicadora, feminista, antirracista e ativista do coletivo de juventude do PSOL, Priscilla Costa, declarou a sua admiração pelo projeto da Mandata Pretas Por Salvador e, em uma fala impactante, deixou uma mensagem forte a respeito do tema escolhido para a Sessão: “No projeto deles, eles não contavam que estaríamos falando da nossa demanda e indo além, porque a nossa demanda é a demanda da maioria. A gente marcar um dia para falar sobre o genocídio das mulheres negras, é dizer para a abancada fundamentalista que manda no Brasil, que nós não vamos retroceder, que nós somos sementes que estamos reformulando tudo, ocupando os espaços de direito”, disse.
Nega Van Borges, mulher trans e membra do setorial de mulheres PSOL em Porto Seguro, trouxe uma reflexão profunda, apresentando dados chocantes sobre os ataques e mortes de mulheres trans no Brasil e na Bahia. “O Brasil é o país que mais mata mulheres trans no mundo e, 82% das mulheres trans que são assassinada no Brasil são negras. A Bahia é o segundo estado que mais mata mulheres trans no país. Somos expulsos de casa, dos espaços públicos, da sociedade. Estamos à margem. A grande maioria está na prostituição porque é o único meio de sustento. E ai eu pergunto: corpos de travestis e corpos pretos não merecem proteção? Não merecem educação e direito a escola?”, questionou ela.
A militante do PSOL Salvador, também relatora de direitos humanos da plataforma DHESCA, Isadora Salomão, pontou a satisfação de conseguir fazer parte do debate. “Ouvir as falas e ver vocês todas aqui é ter a certeza de que não vamos dar nenhum passo para trás. Porque ver a violação de direitos do governo Bolsonaro, tomando uma forma muito mais amplificada, enquanto nós, mulheres negras, vivemos nesse lugar de subjugo, onde falta política e direitos básicos, precariedade de saúde, habitação e trabalho, é muito agressivo. Que bom que não estamos sozinhas e estamos cada vez mais ganhando maior potência frente a esse enfrentamento”, disse.
A Sessão Especial Do Dia de Luta Contra o Genocídio da Mulher Negra, teve transmissão da TV Cam e contou ainda com a presença da co-presidenta da ONG Tamo Juntas, Janine Souza, da pedagoga social de rua e conselheira estadual de assistencial social, Driele Amunã, da coordenadora de Gênero do CEN, também educadora social, Iraildes Andrade e da agente comunitária de saúde e militante do PSOL, Telma Regina Nonato.

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