A Legalização e Descriminalização do Aborto foi tema da Sessão Especial, presidida pela Mandata Coletiva Pretas Por Salvador (PSOL/BA), que aconteceu na manhã da última quinta-feira (30/09), na Câmara Municipal de Salvador (CMS) e teve a transmissão da TV e Rádio CAM. O tema, que foi aprovado no plenário da Câmara faz referência ao Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, comemorado em 28 de setembro.
A data surge a partir do entendimento da importância de seguir fazendo enfrentamento pelas condições desfavoráveis e da clandestinidade do aborto. “É com muito orgulho que a gente traz essa pauta. Essa é a primeira vez que esse tema é pautando dentro da Câmara Municipal de Salvador e isso é resistência, é luta. Essa é uma das bandeiras de luta do PSOL e para a nós é muito representativo. Que possamos dialogar ricamente sobre esse tema tão importante”, disse a co-vereadora, Cleide Coutinho.
O fato é que, em muitos países da América Latina e do Caribe, o aborto é criminalizado, o que aumenta as taxas de mortalidade e encarceramento das mulheres. Já em lugares como França, Itália, Inglaterra, Portugal, México e Holanda, o aborto é legalizado e existe a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos. No Brasil, o Código Penal de 1940 regulamenta o aborto como crime, exceto em casos de risco de vida da mulher, estupro e anencefalia, direito conquistado posteriormente por decisão do STF.
Os serviços de abortamento legal ofertados em unidades de saúde do SUS são atendimentos às vítimas de violência sexual, com a finalidade de assegurar o direito ao aborto a mulheres, crianças e adolescentes. A co-vereadora Laina Crisóstomo pontuou a criminalização do aborto como uma ação que penaliza principalmente as meninas e as mulheres negras e periféricas, que têm menos acesso aos serviços de saúde, à educação sexual e às políticas de direitos sexuais e reprodutivos.
“Mulheres brancas e ricas fazem aborto de forma segura em clinicas, porque elas podem pagar por isso. A população mais pobre, majoritariamente negra, não. Nesse período da pandemia houve fechamento dos equipamentos públicos de aborto legal. Ou seja: a gente está falando que existe a possibilidade de aborto legal no Brasil e mesmo assim as pessoas não acessam. Estamos falando de acesso a um Direito que já existe. Imagine as mulheres que fazem aborto clandestino e são violentadas pelo serviço de saúde”, disse ela acrescentando que _“as pessoas querem tratar aborto como uma questão religiosa, como pecado, como uma questão moral. E, ao falar da descriminalização, ao contrário do que eles dizem, essa é uma luta sim pela vida das mulheres”, afirmou.
Essa afirmação da parlamentar, entra em conformidade com a visão da teológa feminista e integrante do Coletivo Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade (MUPPS), Bianca Daébs, que diz que o corpo das mulheres sempre foi um território em disputa entre os homens, a religião e o estado que afirmam que o fator ‘ser mãe’ é algo divino e qualquer coisa que impeça isso é tido como crime ou pecado e que merece castigo.
“A descriminalização do aborto é um assunto tabu e ao mesmo tempo polêmico porque ele entrega na mão das mulheres a decisão da sua vida e do seu corpo, retirando esse poder das mãos dos homens, da igreja e do estado. Então podemos afirmar que falar sobre a descriminalização do aborto é falar também sobre a tutela dessas instituições. O Brasil é um país laico, onde existe uma separação em igreja e estado. Numa democracia, qualquer instituição tem o direito de se pronunciar contra ou favor da legaliazação do aborto. O que as instituições, incluindo as igrejas não podem fazer é o papel do estado. Os valores moral da igreja não serve para o estado. As leis são feitas para indivíduos e não para fiéis e quando a igreja assume o papel do estado a democracia entra em uma profunda crise”, justifica ela.
Atualmente, o Brasil tem uma média anual de 26 mil partos de mães com idades entre 10 a 14 anos, de acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde. Para a pesquisadora contemporânea, também militante de da descriminalização do aborto e os direitos reprodutivos das mulheres, Débora Diniz, essa perspectiva tem ancorado o país numa cultura patriarcal, machista e racista, que vislumbra a maternidade como destino, obrigação e dom divino, controlada pelo Estado.
“A pandemia nos mostrou que nós temos um caminho que é sobre como salvar vidas. E esse caminho é a ciência. O debate do aborto provoca muitas emoções, mas temos sim que convocar a ciência para falar sobre aborto. Porque fé é matéria de ética privada, onde todos podemos ter a nossa. A América Latina, o Caribe, o Brasil, em particular o Nordeste, é onde nós temos os maiores índices de aborto do mundo, ao mesmo tempo m que nós temos as maiores leis de criminalização. Quanto mais usamos a lei penal, isso não impede que as mulheres façam. O aborto já foi descriminalizado socialmente. O aborto é uma prática da vida comum e não quero com isso ofender homens de famílias, que dizem ‘mulheres da minha família não fazem aborto’. Eu quero apenas dizer para eles que sim, elas fazem. Uma a cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou aborto. O aborto não deve ser matéria de prisão”, detalha a pesquisadora.
O número de mortes de mulheres por praticar abortos clandestinos, também foi pautado na sessão e as participantes fizeram um comparativo com o número de mortos por conta da pandemia da COVID 19, que já ceifou quase de 600 mil pessoas no Brasil. Dessa forma, seria 500 mil mulheres, por ano, morrendo ou que estariam passando pelo sistema carcerário, simplesmente porque o país entende como crime a prática. Sem menosprezar a vida das pessoas ceifadas pela pandemia, fica um questionamento: Por que que o número de mortes de mulheres por conta de aborto não choca a sociedade?
Além das Pretas Por Salvador, a mesa da Sessão foi composta pela defensora pública estadual, também coordenadora do Núcleo de Defesa das Mulheres da Dpeba, Lívia Almeida; da teológa feminista, integrante do Coletivo Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade (MUPPS), Bianca Daébs; da pesquisadora, também militante de da descriminalização do aborto e os direitos reprodutivos das mulheres, Debora Diniz; da advogada feminista e professora Luciana Boiteux, da representante do Fórum Inter setorial de Serviços Brasileiros de Aborto, previsto em Lei Nacional, Alessandra Almeida, da co-presidenta da ONG Tamo Juntas, Letícia Ferreira; da doutora em Saúde Pública e Pesquisadora Emanuelle Góes; da Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Aborto da UFES, Yvie Sarmento e da integrante do CLADEM Brasil e também advogada feminista, Ingrid Leão.
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