Na manhã desta quinta-feira (19/05), a mandata coletiva Pretas Por Salvador (PSOL), presidiu uma Audiência Pública, debatendo o tema: “14 de Maio, O Dia que Nunca Acabou”. A realização do evento aconteceu em formato semipresencial e em parceria com Comissão de Reparação, reunindo diversos representantes de movimentos sociais, da sociedade civil e das instituições municipais de Salvador que debateram a data posterior ao 13 de maio, dia em que foi assinada a Lei Áurea instituindo a abolição da escravatura.
Promovendo um espaço de muito diálogo a partir dos mais diversos pensamentos das pessoas que vivenciam as consequências do racismo em suas inúmeras vertentes, o evento debateu, em especial, o dia 14 de Maio, data de muita reflexão para população negra, visto que a ideia de liberdade, se consolidou como uma realidade desigual, de discriminação, fome, ausência de direitos, de moradia e de total desamparo por parte do Estado e das pessoas que detinham poder. A co-vereadora das Pretas Por Salvador, Laina Crisóstomo, fez um discurso reflexivo sobre a escravização que perpetua até os dias atuais, relembrando, inclusive, que o Estatuto de Igualdade Racial do município foi regulamentado recentemente, após treze anos de muita luta.
“Esse dia 14 de maio, para nós é muito emblemático. Um dia em que o pós abolição não nos garantiu nada, reparação, ação afirmativa, direito a casa, direito a comida, a trabalho. Na verdade, houve um processo de tentativa de apagar a nossa história e até hoje a gente faz o debate do extermínio do juventude negra, do racismo ambiental, do racismo institucional e de como ser um corpo preto ainda é ser um corpo alvo da polícia, da ausência de políticas públicas, da ausência de direitos humanos. Mesmo sendo maioria, não somos maioria na política, nem nos espaços de poder, precisamos debater que a gente continua sendo encarcerado e assassinado, então a política das senzalas continuam se perpetuando nesse processo de escravização dos nossos corpos, dos nossos ancestrais “, destacou ela.
Mesmo a população negra sendo a maior do país, representando 56% dos 212 milhões de habitantes, é também a mais vitimada. O estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz, mostra que dos 30 mil assassinatos por agressão armada em 2019, 78% foram contra pessoas negras. A Professora do curso de Direito (UNEB), Integrante do Coletivo Juristas Negras e Autora do livro “A negação da liberdade: direito e escravização ilegal no Brasil oitocentista (1835-1874)”, Gabriela Sá, ressaltou a importância de reconhecer a ancestralidade do povo negro, refletindo na perspectiva de que a justiça é uma mulher negra.
“Afirmar que a justiça é uma mulher negra, é dizer que a justiça não nos representa essa imagem dessa justiça vendada, dessa justiça branca que não enxerga a realidade a sua volta. Então, dizer que a justiça é uma mulher negra é relembrar que ela precisa estar sempre em alerta, com os olhos abertos para lutar pela luta dos seus, pela sua comunidade e isso nós sabemos ao longo da nossa história que tem sido historicamente protagonizada pelas mulheres negras. Antes de mais nada é preciso resinificar essa memória de liberdade no Brasil, trazendo o protagonismo, a centralidade da luta das mulheres negras e, acima de tudo, a justiça é uma mulher negra porque ela não anda só, é por conta da resistência e da união de inúmeras, de milhões de mulheres que desde a escravidão lutam por direitos, que estamos aqui hoje”, ressaltou.
Com o Plenário da Câmara Municipal de Salvador (CMS) lotado por diversos estudantes do Colégio Estadual Polivalente San Diego e do Colégio Estadual Marechal Mascarenhas de Moraes, a Audiência Pública foi tomada por vozes que historicamente foram silenciadas, mas que numa luta árdua tem lutado para que a geração jovem acessem a verdadeira história e conquistem todos os seus direitos. A estudante Danielle Santos, creditou sua participação no evento por meio de uma Intervenção, reafirmando a força dessa geração em conquistar os espaços de poder.
“Sobre o dia 13 de maio, comemoramos os 134 anos da dita abolição negra, por mais de 300 anos sendo humilhados e explorados. Para nós esse dia tem um símbolo diferente, não foi o fim da escravidão, ainda estamos lutando por isso. Precisamos lutar e ter resistência”, enfatizou ela.
O espaço da Audiência foi usado para também recontar a história que por muito tempo foi negligenciada, essa que narrava a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, como um marco histórico, quando na verdade forçou a população negra a outros mecanismos de escravidão.
“A gente recebeu uma suposta abolição, mas a gente ainda continua seguindo e sentindo presos às questões raciais. E vemos isso também na relação com essa cidade, porque temos uma relação escravocrata mesmo. A gente precisa sim pautar esse tema, e esse é o espaço para construirmos isso”, pontuou a também co-vereadora das Pretas, Cleide Coutinho.
Sabendo que o Brasil foi o maior destino de tráfico de africanos escravizados no mundo, somando quase 5 milhões de pessoas, também sendo o último país da América a abolir a escravatura, a Ìyalọ̀ríṣá do Ìlẹ̀Àṣẹ Ẹwà Ọ̀lódùmarè e Presidenta do Conselho Municipal de Políticas Culturais (CMPC), Ìyá Márcia d’Ògún, ressaltou a necessidade de políticas públicas que promovam reparação a população negra.
“A gente precisa, a todo momento, estar referendando, valorizando a nós, porque nós povo preto construímos a nossa cidade, o nosso estado, o nosso país, os nossos ancestrais foram retirados de África e trazidos para aqui na condição de escravizados, porque eles nunca foram escravos, eles eram rainhas e reis, princesas e príncipes que perderam tudo para virem servir e construir esse país que a cada dia que passa tira mais, e de 2019 para cá com a desadministração desse desgoverno federal tem sido muito pior. O que nós queremos não é presentes, nós queremos reparação”, destacou ela.
A mesa foi composta pela Professora do curso de Direito (UNEB), Integrante do Coletivo Juristas Negras e Autora do livro “A negação da liberdade: direito e escravização ilegal no Brasil oitocentista (1835-1874)”, Gabriela Sá; a historiadora, mestranda em estudos étnicos e africanos e coordenadora de promoção da igualdade racial, Nairobi Aguiar; a Liderança Jovem quilombola, articuladora de incidência política do projeto AYOMIDEODARA e estudante da UFBA, Amanda Oliveira; o Camponês, assentado da reforma agrária, babalaxé do Ilé Axé Odé Omí Ewá, integrante do MNU, coordenador da Teia Nacional POTMAs-PSOL e integrante do Conselho de Cultura de Ilhéus, Moacir Pinho; a Ìyalọ̀ríṣá do Ìlẹ̀Àṣẹ Ẹwà Ọ̀lódùmarè e Presidenta do CMPC, Ìyá Márcia d’Ògún; a militante da RENFA, do coletivo Marias em movimento e assessora parlamentar das Pretas, Maria Estrela; a Cientista Social, gestora de políticas públicas e especialista em turismo étnico, Tâmara Azevedo; o poeta, compositor, MC, mobilizador cultural do movimento negro e militante do coletivo incomode, Lucas Leão; o Estudante de direito na UNEB, militante do Coletivo de Juventude Pajeu e diretor do DCE da UNEB, Rafael Souza; a Coordenadora Municipal do MNLM, coordenadora e moradora da Ocupação Trobogy e Assessora Parlamentar das Pretas, Ruiles Souza; a Estudante, jovem negra periférica, militante que luta pela igualdade, Yasmin Rosário e a Yalorixá, Membra do Diretório Nacional do PSOL e integrante do Coletivo de Mulheres Sementes de Marielle de Ilhéus, Bernadete Souza. A audiência foi transmitida pela TV e Rádio Câmara, também está disponível no Facebook da CMS.