Mandata reconhece como de extrema importância para a luta antirracista a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que, pela primeira vez, condenou uma pessoa evangélica por intolerância religiosa na área criminal.

Pela primeira vez, o TJ-BA condenou uma pessoa evangélica por intolerância religiosa na área criminal. A decisão foi tomada, porque a mulher, conhecida por Edneide Santos de Jesus, hostilizava adeptos do candomblé gritando “sai satanás” e jogando sal grosso na frente de um terreiro, localizado em Camaçari, na Bahia.

Tal agressão, resultou na morte da yalorixá Mildredes Dias Ferreira, mais conhecida como Mãe Dede de Iansa, 90 anos, que sofreu um infarto. Familiares da yalorixá atribuíram a morte aos xingamentos proferidos pela evangélica. Edneide Santos foi denunciada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), em setembro de 2015, por infração ao artigo 20 da Lei 7.716/ 1989, conhecida também como Lei Caó, Lei que institui o crime de racismo como imprescritível e inafiançavel, que foi alterada em 1997, para punir com reclusão as práticas, induções ou incitações a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Em setembro de 2019, a juíza Bianca Gomes da Silva, da 2ª Vara Criminal de Camaçari, condenou Edineide pelo conjunto de provas, que não deixavam pairar qualquer dúvida sobre a autoria dos delitos. A juíza condenou a ré a um ano de reclusão em regime aberto, com substituição da pena por duas medidas restritivas de direito, com prestação de serviços à comunidade. A defesa da religiosa recorreu da decisão. A co vereadora, religiosa de Matriz africana e também advogada Laina Crisóstomo enfatiza que “Infelizmente esse caso não se conseguiu relacionar a morte da Yalorixá com a intolerância, mas entendemos que essa condenação que é a primeira no nosso estado e traz esperança para que nossa religião seja respeitada, para que tenhamos coragem de denunciar, não nos silenciarmos mais diante de tantas violências que nos acometem desde a formação do Brasil com a imposição da religião cristã como padrão, como norma, como Lei, queremos respeito à nossa ancestralidade e seguimos não somente como mandata, mas como defensoras do Estado Laico o combate ao racismo religioso.”

*OPINIÃO DAS PRETAS POR SALVADOR* – Para a Mandata Coletiva Pretas Por Salvador (PSOL/BA), a associação entre os orixás e a figura do diabo e demônios é um aspecto da discriminação sofrida pela população negras no Brasil. A negação do direito à prática de rituais comuns na África durante o período colonial evoluiu, após a abolição, para a construção de uma imagem maligna dos cultos praticados nos terreiros. Estes cultos frequentemente são apontados como praticando a magia negra que visaria atingir o seu próximo. E a intolerância que essas religiões sofrem, há muito tempo caracteriza-se de múltiplas maneiras. Estamos defronte de uma forma de fundamentalismo cristão quando pastores de igrejas neopentecostais pregam a discriminação, a intolerância e o ódio, diabolizando tudo que faz referência a religião de matriz africana, se utilizando de passagem da bíblia, de invasão de terreiros, agressões físicas, psicológicas, inclusive homicídios em razão do ódio religioso, utilização do poder de mídia que muitas igrejas têm para difamar, caluniar e injuriar religiões e religiosos. De acordo com a Secretaria Estadual de Promoção e Igualdade Social (Sepromi), em 2019, foram registrados 49 casos de intolerância religiosa na Bahia.
Julho de 2020 o busto em homenagem à Mãe Gilda, no Parque do Abaeté, em Itapuã, foi alvo de vandalismo. O autor, que afirmou realizar a ação “a mando de Deus”, foi preso e conduzido para a delegacia pela Polícia Militar. Mãe Gilda foi vítima de intolerância religiosa , vindo a falecer em 21 de janeiro de 2000 dando origem ao Dia nacional de combate a intolerância religiosa.
No início de março a mandata foi até o terreiro Ilê Axé Oyá, ouvir a Yá Nivia Pitta sobre o processo em curso de privatização do Parque São Bartolomeu e Pituaçu promovido pela prefeitura de Salvador e o governo Estado da Bahia. O parque de São Bartolomeu é um patrimônio para a comunidade solterapolitana com sua diversidade de fauna e flora. O parque é um espaço de lazer, de estudos acadêmicos e que também gera economia para os moradores do entorno. Além disso, o parque é um espaço sagrado para o povo de santo, pois ali encontram-se árvores sagradas, cachoeiras e plantas cultuadas e ofertadas pelas religiões de matriz africana, a privatização dos parques afeta toda a população do entorno que não estão sendo ouvidas.
No dia 6 de maio de 2021 a Ya Selma faz um breve histórico de sua vida no axé e como chegou até o local, onde hoje é o Ilê Axé YeYe Omin Tola para representantes da mandata. A mesma explica a forma arbitrária que a CONDER (órgão ligado ao Estado) quer remover o terreiro para a uma obra do Estado. A mesma nos informou que já fez uma solicitação via AFA onde a instituição está mediando via Ministério Público estadual.
Esses inúmeros casos, são corriqueiros na Bahia. O que se torna impossível falar de intolerância religiosa sem falar de racismo, da prática desumana que vem sendo subnotificada durante essa pandemia. Em entrevista ao portal G1, a promotora de justiça, Lívia Vaz, enfatiza essa subnotificação por conta da pandemia.
Mas o próprio Estado Baiano antes mesmo da Pandemias é violador e na maioria das vezes omisso diante dos atos de racismo religioso, não efetivando a escuta e políticas concretas para o combate.
Jamais vamos esquecer o caso sofrido pela sacerdotisa do Candomblé, Bernadete Souza Ferreira, Mãe Bernadete de Oxossi 2010, que segue impune. Ela foi algemada, arrastada pelos cabelos e jogada por soldados da Polícia Militar da Bahia num formigueiro, por ter pedido explicações para a invasão da área do Incra – o Assentamento Dom Hélder Câmara – no sul do estado. Mãe de dois filhos e avó de uma neta, a época, de quatro anos – que presenciou toda barbárie – Bernadete ainda revela que, no momento das agressões, estava incorporada pelo orixá Oxossi e que os policiais riam e diziam que estavam tirando o “demônio, em nome de Jesus”.
É salutar ratificar a importância da SEPROMI, observatório racial, Promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público entres outros órgãos, mas infelizmente na grande maioria das vezes os casos ficam sem resposta como da Yalorixá Thiffany Odara que, em julho do ano passado, denunciou o racismo de dez anos da gestão municipal de Lauro de Freitas (BA) pela falta de saneamento básico, alagamentos, destruição de uma parte da área sagrada por técnicos da prefeitura, prejuízos inúmeros onde a mesma não tem respostas. Ainda assim, a Ialorixá foi alvo de xigamentos e da recusa de entrar no terreiro por parte dos funcionários da prefeitura que se recusaram adentrar o espaço físico e minimizado todo sofrimento acometido pela prefeitura e o caos do alagamento.
Esse é o retrato real do Estado da Bahia que vende a imagem afro-brasileira trazendo o candomblé como acervo histórico da sociedade baiana, porém não é efetivo na prática, infelizmente. A diversidade religiosa na Bahia não contempla os povos de matriz africana, o que nos leva a perceber o quanto o racismo religioso ataca, feri , desumaniza as religiões de matriz africana de maneira e formas múltiplas, se revelando, um explícito velado tendencioso, uma vez que o mesmo é uma questão estrutural e cultural da nossa sociedade. Com isso, o debate ou melhor: as práticas de combate ao Racismo religioso precisam ser revisadas e aprimoradas através de mecanismos efetivos que possa, literalmente, combater estas práticas.
Racismo religioso é crime! Entender isso já é o primeiro passo para um longo caminho complexo, onde os agentes violadores não podem ficar impunes.

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